quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Papel em branco

Eis-me um papel em braco
Na ansia com que nele ponho
No pôr de um nada.
Nos olhos de quem lê, nada suponho-os
Então porque?
Porque gastar a tinta da caneta afagada?
Traduzir a miúdos o que nada tenho a diser?
Porque não deixá-lo a palto?
...
Eis que estanco, meu pensamento manco
Eis-me ainda um papel em branco.

                                                  (Derik Fonseca)

http://twitter.com/#!/derik_fonseca

Devaneio de índio


"Eis, que cedo acordo. Com a manhã densa em névoa; e eu, ainda descrente do sonho mais vivo em que naveguei, onde criança eu enxerguei teus olhos presos a deriva, e um sorriso tão límpido em marfim. E o que bordarás de mim, sendo tão rio-corrente minha saliva? Tão exilado a este sonho estou! Por dizer assim.
 Brincamos sob a areia areia suja, e eu pintava a casca do teu rosto  com a argila pálida. Lhe deixando o mais belo e robusto dos índios. E sais correndo por entre os pés de capim e galhos de árvore, e ainda estufavas o peito, engatilhavas o grito e o arremeçava! Grito que compassadamente diluia-se nas cores infindas que não cabiam naquele dia. E torturavas a alegria da natureza que há em mim.
 Vinhas ao meu encontro, ansiando transformar-me em teu elo. E acariciava-me o rosto, e eu me curvando a deitar em tuas mãos, acalentada por entre os dedos! E com o outro braço forte, negro que era a outra banda do pão envolvia-me ao manto do teu abraço. Onde por fim seria escaço! E ao meu choro tinha-o eterno, mas também exausto. Sendo assim, a primeira vez em que a palto senti o morno do teu corpo e tuas mãos grossas feito asfalto, com argila de mangue no olfato alí, eu só queria lhe ter.
 Pós este fato, encontrava-me nos lençóis soados da segunda cama, e alguém sussurrando que me ama. Eram os olhos cheios de mar de um homem profano, que vinha para alçar os panos, e da natureza dos teus braços me tirar.
 E tu, meu robusto e acácio jovem entras no quarto, não acendes a luz ... e o quarto plana em incerta escuridão, iluminado apenas sob a fresta mansa de luz da porta que não fechara; quebrando assim a luxúria estática. Lá fora o sol cobra-coral arde e dissolvia-se na cor dos teus rubros olhos que também serpente estavam.
 Era o único dos sentidos em que eu ainda lhe tenho. Despido, rumo a ti clamando que sejas ainda meu acalanto e minha calmaria.
Mas ora, como eu sofria! Quando a porta infeliz tu abrias e se despedia com as dunas das costas.
 A última das imagens que catálogava em postas, com os joelhos fincados como quem estivesse em rochas.
 O quarto já iluminara. Frente a porta, o sol fervia-me as costas por entre os vidros da janela que por trás o vento entrava. E a última fatia de felicidade que me restara; se desperçara, quando por sobre mim os lençóis eu retirava. "È hora de acordar".

                                                                                                 (Derik Fonseca)